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O guarda no meio do caminho

23 de abril de 2012

O artigo “Malditos Tachões” (aqui) pretendia chamar a atenção para os perigosos tachões que dividem as pistas seletivas de ônibus na Av. Pres. Vargas, na Av. Rio Branco e outras vias do Rio de Janeiro. Os tachões danificam a suspensão do veículo, estouram pneus, quebram rodas e derrubam motociclistas.   Os cones, invariavelmente deitados no chão, também são perigosos.

Entre carros e ônibus

Entre carros e ônibus

A ojeriza (justa, aliás) que o motorista de carros tem a motociclistas, motoboys em particular, dividiu o foco. Volto, então, ao tema para ressaltar a preocupação com o guarda de trânsito que fica no meio da avenida. Este trabalhador fica apitando, gesticulando e se desviando dos veículos que passam junto a ele, correndo alto risco de um acidente grave. Independente de alguém achar que isso melhora o tráfego, não vale a pena dar chance ao azar. 

Se acontecer uma tragédia, quem será o culpado? O motorista, o próprio guarda ou quem mandou ele ficar ali no meio da rua?  Parece óbvia a resposta. E se a decisão de ali ficar é do próprio guarda, a culpa é de quem não o orientou para não fazê-lo.

Já convivemos com lavadores de pára-brisa, pedintes, vendedores de todos os tipos, jornaleiros (veja aqui) e problemas demais nas caóticas ruas da cidade. Não precisamos que os responsáveis pelo trânsito acrescentem mais alguns. A prefeitura já anunciou a retirada dos tachões.  Que tal tirar o guarda do meio do caminho?

Fotos by cariocadorio: Av. Rio branco, abril de 2012

Malditos tachões

13 de abril de 2012

Acordou mais cedo que de costume. Inclinou-se sobre a pia do banheirinho apertado, lavou o rosto esfregando os olhos e caprichou na barba ralinha.  Sem fazer barulho vestiu o jeans ainda novo e calçou as botas baratas. Passou o café, esquentou o pãozinho de ontem e se alimentou para o dia de trabalho. Colocou a camiseta favorita e, sobre ela, a surrada jaqueta.

Beijou a esposa, muito jovem, e saiu de casa sem acordá-la.

Welliton amarrou a presilha do capacete, curtiu por um instante o barulho do motor da Honda novinha e seguiu para o Centro do Rio. Mais cuidadoso que de costume, buzininha tocando entre carros e pedestres, Welliton ziguezagueou pelas ruas do Rio de Janeiro em sua rotina de motoboy.  Concluiu feliz suas tarefas.

Uma chuvinha fina caiu sobre a cidade no fim do dia. Com a capa de plástico Welliton pegou o caminho de casa.  De repente o ônibus raspou no cone de tráfego e o jogou na sua frente. Com uma rápida guinada, desviou do obstáculo mas a roda resvalou num tachão.  Enquanto sentia a moto escapar debaixo de si ainda pensou:

“Malditos tachões”!

Nada mais a fazer.  A moto tombou e deslizou na direção do guardinha que, insanamente, controlava o tráfego no meio da avenida movimentada.

Do asfalto, após seu corpo quicar várias vezes sobre os tachões, Welliton viu pessoas correndo em sua direção. Viu o guarda caído mais adiante. Em vão tentou se mexer. A vista foi ficando turva e as forças lentamente abandonando seu corpo.

Amanhã a jovem esposa do motoboy acompanhará o marido pela última vez.  No seu ventre, o sonho do casal ainda não sabe que nascerá sem o pai.

Menos mal para o controlador de tráfego que em seis meses poderá voltar ao trabalho.  Esperemos que nunca mais para o meio do trânsito pesado da Av. Rio Branco.

Fotos by Cariocadorio.

Estádio do Maracanã em obras, 1949 – 1950

7 de abril de 2012

Do baú da família saíram estas fotos históricas da construção do estádio do Maracanã.  Procurando na internet vi algumas semelhantes, o que me leva a crer que estas são fotos distribuídas na época da construção.

Obras de construção do Maracanã, 1949

A construção do Maracanã, 1949

Na Wikipedia vi que a origem do nome do estádio é uma ave chamada Maracanã-Guaçu, outrora encontrada em grande quantidade naquela região do Rio de Janeiro.  A ave, que se confunde com um papagaio, emite sons “semelhantes a um chocalho” que é o significado de “maracanã” em tupi-guarani.   Pelo visto, foi ela que emprestou seu nome também ao bairro e ao rio Maracanã que passa pela região.  
É claro que a gente pode muito bem viver sem saber disso mas talvez estas pequenas doses de conhecimento nos tornem mais brasileiros, mais cariocas.  

A Maracanã – Guaçu chegou até aqui vinda do norte do país. Há tempos teve que se mudar para lugares mais tranquilos como a maioria das espécies. 
Não deve ser fácil para os outros bichos conviverem com os bípedes predadores que dominam boa parte desta Terra e expulsam de seu território os que não são do seu interesse.

Embora não seja muito conhecido, principalmente para os que não viveram no tempo que Nelson Rodrigues era cronista esportivo, o nome do estádio é,  na verdade,  Estádio Jornalista Mário Filho, uma homenagem ao irmão do dramaturgo e grande incentivador de sua construção.  

Uma descrição do difícil início do Estádio Jornalista Mário Filho pode ser lida clicando aqui, em uma matéria da folha de São Paulo. E aqui, na Wikipedia.
No Cariocadoriorio, fotos da partida inaugural e texto aparecem no artigo  Estádio do Maracanã, aqui.

Fotos: Construção do Maracanã, acervo Cariocadorio. Maracanã-guaçu, obtida da Wikipedia.

A corredora da Lagoa

1 de abril de 2012

Caminhar na Lagoa é o seu maior prazer. Aprecia os cachorros levando seus humanos ao passeio diário, a corrida saudável do pessoal, as conversas inacabadas que por ele passam, o vermelho no bico dos patinhos negros, o vôo elegante das graças brancas e tudo mais.  

Há, porém, alguém especial nas suas caminhadas. 
Onde vai ela sempre assim com tanta pressa? Pouco lhe importa. 
O que vale é senti-la chegando e concentrar-se no deleite que se segue.  A pisada firme no cintilante tênis, a meia mal surgindo antes de descortinar as pernas que sobem graciosamente até se esconderem sob o shortinho de tecido leve.  Ah, o shortinho! Ao sabor do vento e das passadas largas, o generoso corte lateral desvenda a dobrinha do bumbum.   

Com os cabelos soltos sobre a blusinha colorida ela se afasta rapidamente em seu vertiginoso correr. Não há sexismo em sua visão da moça. Bem… Um pouco talvez.  Sergio ama cada pedra , cada improvável capivara, cada detalhe do entorno da Lagoa.  A corredora é o licor cassis no seu creme de papaia. 

Mas neste dia nem mesmo a musa aliviava sua angústia.  
Sérgio subiu as escadarias e entrou na igreja de Santa Margarida Maria. Custava-lhe muito concentrar-se em rezar, o pensamento em todos os lugares entre o “que estás no céu” e o “pão nosso de cada dia”.  Sozinho na igreja soluçou um choro infinito. Saiu com os olhos vermelhos e uma certeza no peito.    

Horas mais trade ele se despedia do Dr. Ubiratan Latorre.  Pela janelinha da porta do elevador viu seu pai agradecer a visita. Mãos justapostas no gestual de sempre, a sinceridade de sempre.   Sérgio sabia que era ele quem mais tinha o que agradecer.  Estar com o pai era a certeza do conforto apesar do medo que sentia da barafunda mental do velho médico. 

De noite, cantando os parabéns com o netinho mais novo no colo, Sergio finalmente podia curtir os cabelos da corredora da Lagoa esvoaçando docemente à sua frente.   Sentia-se plenamente feliz.

Fotos by Cariodorio: Igreja de Santa Margarida Maria (Lagoa, Rio de janeiro, janeiro de 2012);  O Curumim da Lagoa Rodrigo de Freitas (Rio de Janeiro, janeiro de 2012)
O Dr. Ubiratan Latorre aparece em:  “A porta do elevador”  e “A quarta idade”.