Archive for junho \25\-03:00 2012

O ponta-esquerda Bouças

25 de junho de 2012
Fluminense, 1929

Fluminense, 1929

Naquela fria noite de inverno da serra carioca tive uma insólita oportunidade de conversar com um homem muito pouco comum. Wlademir Bouças era o seu nome.
Transcrevo aqui momentos daquela improvável entrevista:   

“Wlademir, me conta um pouco sobre a sua origem.”

“Eu sou o filho mais novo de uma família de imigrantes.  Minha mãe era portuguesa e o meu pai galego. Ele veio para trabalhar nas Docas de Santos.  Foi lá que eu nasci, em Santos, em 1908.
Anos depois, quando meu pai foi chamado para o porto do Rio de Janeiro, nos mudamos para Copacabana.”

“E o que levou você a jogar futebol no Fluminense?”

“Eu morava na Barão de Ipanema e jogava futebol na praia.  Foi o meu amigo Preguinho que me levou pra jogar no Fluminense.  Eu fui e acabei entrando para o time.  Cheguei à equipe principal porque eu chutava com as duas e me adaptei bem à ponta-esquerda.”   

“E isso não atrapalhava seus estudos e a carreira de militar?”

Por um certo tempo não tinha problema, o futebol era amador e não era difícil conciliar o futebol com a Academia Militar.  Era um constante ir e vir entre as Laranjeiras e Marechal Hermes.  Com o advento do profissionalismo, entretanto, eu tive que sair do Fluminense. Fui jogar no São Cristóvão que continuava amador e por isso era chamado o time dos cadetes.”

“Por que você não quis ser um profissional do futebol?”

“Quando concluí a Academia e me formei tenente, senti que a minha vocação era mesmo a carreira militar.  Foi uma escolha natural.”

Mas aí começa uma série de aventuras, não é verdade?  Como a sua atuação na revolução de 1932, em oposição ao Presidente Getúlio Vargas, ironicamente um grande amigo do seu irmão Valentim.”

“É sim, mas essa é uma história longa.  Vamos deixar pra contar outro dia, está bem?  Essa velha carcaça já está um pouco cansada por hoje.”

 O fogo da lareira arrefeceu subitamente e o ar se tonou muito frio.  Senti que era hora de buscar o caminho de casa.  Notei um envelope no banco do carro.  Dentro dele a foto do time do Fluminense de 1929 que ilustra este artigo.

Fotos: Time do Fluminense, 1929.  Arquivo pessoal de Fernando Bouças, não pode ser reproduzida sem autorização prévia. Lareiras, by Cariocadorio.

Nasceu Maria

7 de junho de 2012

O defeitinho na válvula de mil e poucos reais causou a parada da plataforma e prejuízo de mais de dois milhões de dólares.  Agira rápido para resolver. Talvez por isso a reunião em Macaé, embora duríssima, tenha sido bem sucedida.

Na volta para o Rio, Marcello Senna e o colega conversaram sobre o trabalho e praguejaram contra a ridícula BR-101. Como pode o trecho de estrada no eixo de produção da maior riqueza do país ser tão estreito e perigoso?  Parece que a única obra que fizeram foram as praças de pedágio. A chuva não ajudava em nada.  Passaram por Manilha, o verdadeiro portal do inferno, e pegaram os engarrafamentos do contorno e da saída da Ponte. Vencidos os percalços, finalmente desembocaram na Lagoa. Deixou o colega e seguiu para a maternidade.  Chegaria a tempo de visitar a recém-nascida.

Marcello conhece bem a Casa de Saúde São José.  Ali nasceram seus filhos e sobrinhos.  Foi ali também que, há pouco tempo, fez sua raspagem de próstata. Mas deixa isso pra lá.

Esquecera o número do quarto… À medida que procurava o nome nas portas deixava pra trás o resto do mundo e sentia crescer a emoção. A plaquinha indicava: Maria…Era aquele o quarto.  Abriu cuidadosamente a porta e viu amigos de toda a vida.  Abraçou com entusiasmo a vovó de primeira viagem. Lavou cuidadosamente as mãos e aí sim, beijou com carinho a mamãe e baixou os olhos em sua direção.  Ali estava ela; o pequeníssimo ser humano com o rostinho bem definido, uma penugem morena compondo suavemente a cabecinha e um surpreendente olhar alegremente puro e vivaz.
Naquele instante, como em uma prece, Marcello prometeu cuidar do planeta para tantas Marias e tantos Joãos que precisarão dele por um sem-número de gerações.

Não ousou tocá-la.  Logo veio um choro gentil, rapidinho, como se por dizer alguma coisa.
Seja muito bem-vinda, Maria.    

 Foto by Cariocadorio: Crianças – Rio de Janeiro, 1987

Redescobrindo o Rio de Janeiro

2 de junho de 2012
Pão de Açúcar, 1955

Pão de Açúcar, 1955

A natureza do Rio é tão deslumbrante que consegue sobreviver a anos de maltratos e ocupações descabidas.  A massiva verticalização do espaço urbano, particularmente de Copacabana, a favelização dos morros e a conseqüente  fragilidade da infra-estrutura são exemplos do que a ganância e a nossa ineficiência político-administrativa fizeram com a cidade em tantos anos.

Palmeiras no Canal do mangue, 1925

Palmeiras no Canal do mangue, 1925

Esta tendência, porém, parece estar mudando lentamente. Cada vez mais se vêem iniciativas pelo Rio de Janeiro. Discussões políticas a parte, houve uma evolução da segurança na gestão do Secretário Beltrame e as obras públicas voltaram na esteira dos eventos internacionais que estão por vir.

Praia de Ipanema, (que ano?)

Praia de Ipanema, (que ano?)

Ainda tímidas, ficam cada vez mais evidentes as iniciativas da população em prol da cidade.  Movimentos conhecidos como “Rio Eu Amo Eu Cuido” e outros, sem nenhuma estrutura ou ambição de ser um movimento, como os “FRA” (fotologs do Rio Antigo) despertam nosso sentido cívico.  Nos FRA os fotologeiros trazem fotos antigas e textos interessantíssimos que são comentados com humor, crítica e, muitas vezes, profundos conhecimentos sobre a arquitetura, a infra-estrutura e os habitantes da cidade.

As escavações para as obras do Porto Maravilha e recentemente no Leblon, se aliam aos FRA no redescobrimento da Cidade. Fala-se hoje em arqueologia no Rio de Janeiro, trazendo de volta um passado que já começa a se tornar distante.  A valorização da história e das tradições é importante para sedimentar o amor por essa casa tão maltradada pelos seus próprios habitantes. 

Praia de Botafogo (anos 60)

Praia de Botafogo (anos 60)

Tenho convicção de que, se a história do Rio se tornar parte dos currículos escolares, teremos em breve gerações mais comprometidas com toda a sociedade e um pouco menos com seu próprio umbigo.  

Praça Mauá, iníciodo século XX

Praça Mauá, iníciodo século XX

O Cariocadorio pretende ser um espaço de crítica e apoio ao desenvolvimento da Cidade bem como de celebração do nosso passado e antepassados.  Todos pelo Rio de Janeiro, por redescobrir e reinventar a terra do verão, da Bossa Nova, do Maracanã e de cariocas de todas as origens.

Fotos: Pão de Açúcar (acervo Cariocadorio) – As demais são roubadas dos FRA.
Links para os FRA em  Rios de Outrora, na página inicial deste blog.