Marcello Senna ainda tinha esperança de que a poltrona da janela ao lado ficasse vazia quando a simpática moça com uma camiseta Carioca em forma de Coca-cola, pediu licença pra passar.
Cansado da semana de reuniões, Marcello bem que tentou evitar a conversa. Não conseguiu. Boas noites, obas e olás, ela não falava bem inglês, trabalhava no INPI e vinha de San Diego onde foi ver o namorado. Marcello mais preocupado com o Sudoku inacabado na mesinha.
O papo seguiu e ela falou sobre os pais… que sua mãe, ainda nova, começou a sofrer com a perda da memória. No supermercado a roubavam no troco, se perdia na rua … Marcello se interessou. Sabia bem o que era isso. Seu pai cuidara de tudo até o Alzheimer tomar conta logo após a perda da esposa. Desgraças a parte, riram bastante das situações tragicômicas dos seus idosos.
Dois largos bocejos, Marcello virou-se e dormiu suas quatro horas de praxe. Acordou com a moça quase sentada no peito na tentativa de ir ao banheiro. Tudo bem, já iam mesmo servir o café da manhã.
Perguntado Marcello falou da sua Estela e dos gêmeos que o esperavam no Rio. Foi então que Mariana, acho que era esse seu nome, se sentiu a vontade pra contar a história da sua vida.
O namorado, que fazia pós-doutorado em San Diego, era sua primeira recaída diante da raça de crápulas que são os homens. Conheceu o ex-marido no parque infantil do Fluminense. Depois estudaram no mesmo São Vicente de Paulo. Jovens profissionais, chegaram ao Instituto Nacional de Pesquisas Industriais, o INPI, na Praça Mauá. Aí começaram o namoro e casaram alguns anos depois. Com muito bom humor, a carioca seguiu contando sua história para um agora interessadíssimo Marcello.
Três filhas em idade escolar depois, ela começou a desconfiar de alguma coisa. Jogar um pequeno verde foi o suficiente pra colega de trabalho contar o que só ela no INPI parecia não saber. O sacana do marido não só teve duas “namoradas” depois de casado como uma filha com uma delas. Pior, as duas trabalhavam no mesmo departamento de patentes que ela e a filha da outra frequentava as festinhas de aniversário em sua casa desde sempre.
Marcello não podia acreditar; meu Deus, esse cara é bom!, pensou.
Certa noite, crianças dormindo, chamou o marido na chincha.
Ele negou… era tudo mentira, queriam derrubá-lo da gerência, que podia explicar, que isso, que aquilo. Mas tava difícil, ela sabia até dos detalhes. Ele insistiu que a amava, que queria seguir com a família, que isso não se repetiria…
Isso o que? …outra namorada?… ou seria outra filha?, se perguntava Marcello.
Finalmente o safado concordou em sair de casa. Ela foi generosa e deu um mês pra ele arranjar um lugar. Passaram dois e o cara fingindo que as coisas estavam voltando ao normal. Ela deu um ultimato. Ele tinha dois dias pra sumir de casa pra sempre.
O coitado, do fundo do seu sofrimento, ainda tentou argumentar:
“Mas por que é que você está fazendo isso comigo?”
Fotos: Flight CO-092 (Maio 2010, by Cariocadorio); Quem, eu? (Maio 2010, EP, by Naj Olari, Flickr Creative Commons)
Nota: baseado no post “Houston-Rio CO-092” de 30 de outubro de 2010.
Tags: alzheimer, Continental, família, filhos, Houston, INPI, marido, Praça Mauá, Viagens
11 de julho de 2018 às 11:03 |
Que história para se perpetuar em um livro, um bom autor faria isso uma deliciosa leitura e de aprendizado da vida.
11 de julho de 2018 às 12:07 |
Procura-se um bom autor…