Archive for the ‘crônicas’ Category

Faz Quinze Dias

10 de setembro de 2018

Faz uns quinze dias atendi um telefonema com um seco “Alô”.

“E aí, tudo bem?”

Reconheci a voz do outro lado da linha e fui respondendo: “Tudo bem, e vo…?”,  não consegui terminar, feliz e espantado de ouvi-lo… “Pera aí, mas você…”

Não podia ser a voz do meu querido Geraldo.  Claro que não, ele se foi há alguns anos. Mas era, sem dúvida.

Acordei sobressaltado.  Mas a rápida conversa foi tão clara que logo me acalmei.  Ele estava obviamente muito bem.      Achei que só queria mesmo dizer alô.

Hoje telefonei pro Salão para marcar hora com o José. Com voz triste a moça disse que não seria possível. O José faleceu.

O José, o meu barbeiro de mais de 35 anos, aquele cara simpático cujo maior orgulho era ser querido por todos, porque a todos tratava bem.

Nestes tantos anos falamos de tudo. Das famílias, do Vasco, do Flamengo, do não tá fácil pra ninguém, de como ele aparava a cerca viva da casa…  Os vizinhos elogiavam. Eu brincava que não era vantagem, com a destreza que tem com as tesouras…

Mas o José cortava cabelos e cuidava de jardins com muito mais do que a habilidade das mãos. José fazia tudo com o coração.   José cuidava das pessoas, do mundo. Me chamava “meu filho”, “meu amigo”.  O José era uma destas pessoas raras de se encontrar.  Como o Geraldo.

A moça explicou que trabalhando começou a sentir uma dor no braço.  Levaram para um hospital, para outro… Enfarte, não teve jeito.

e concluiu… Faz uns quinze dias.

Saúde, qualidade total e “compliance”

3 de agosto de 2018

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O Dr. Júlio analisou minuciosamente os resultados do check-up anual e examinou seu paciente com a tranquilidade habitual.  Marcello Senna já conhecia o discurso que viria a seguir. Desta vez, porém, o seu médico e amigo foi mais longe.

Percentual de gordura, peso, colesterol e outros indicadores haviam progredido de mais-ou-menos-meio-ruim para desastre-total em poucos anos.

Por mais de uma hora o Julinho doutrinou seu paciente com conceitos de medicina, estatística, mecânica dos fluidos e o escambal. Explicou que pessoas com percentual de gordura mais alto têm mais probabilidade de fazer derrames, infartos e outras doenças cardio vasculares.  Pior, também morrem mais cedo por conta de outras doenças que nada têm a ver com isso.  Questão de estatística.  Concluindo disse que se ele tiver mais uns cinco a dez anos isto não seria problema. Mas se tiver que ir além…?

Pela primeira vez Marcello Senna pareceu dar importância ao assunto.  Como havia chegado a tal ponto?

Lembrou daquela baboseira que aprendeu no Crosby College em Chicago, nos anos 90. Qualidade total era a moda depois da re-engenharia. Seriam mapeados os processos, analisadas as interfaces e eliminadas as ineficiências. Prometiam que sobraria mais tempo para o lazer, a família e a saúde.
Bullshit, como se diz por lá.

Mais rápido que melhorar processos, cortaram cabeças.  Logo vieram os e-mails, smartphones, aplicativos e outros truques de faça-você-mesmo para facilitar a vida que só fazem consumir mais tempo ainda.

Havia, porém, uma máxima do guru Philip Crosby que Marcello acha incontestavelmente válida pra qualquer coisa na vida.

“Insanidade é continuar fazendo tudo como antes e achar que o próximo resultado será diferente”.

Com a ajuda do Crosby, o Dr. Julinho finalmente o convenceu a tomar uma atitude.  A hora é agora. Qualidade total, de vida! Marcello Senna prometeu ao seu querido médico que entraria para uma academia e faria exercícios três vezes por semana.  Claro, isso tão logo consiga implementar todos os novos requisitos de “compliance” da empresa. Tem auditoria desse troço até o fim do ano.

Foto: “Hermes Trimegistus” capturada na internet.

Intimidades num voo noturno

9 de julho de 2018

Marcello Senna ainda tinha esperança de que a poltrona da janela ao lado ficasse vazia quando a simpática moça com uma camiseta Carioca em forma de Coca-cola, pediu licença pra passar.

Cansado da semana de reuniões, Marcello bem que tentou evitar a conversa. Não conseguiu. Boas noites, obas e olás, ela não falava bem inglês, trabalhava no INPI e vinha de San Diego onde foi ver o namorado.  Marcello mais preocupado com o Sudoku inacabado na mesinha.

O papo seguiu e ela falou sobre os pais… que sua mãe, ainda nova, começou a sofrer com a perda da memória.  No supermercado a roubavam no troco, se perdia na rua … Marcello se interessou. Sabia bem o que era isso. Seu pai cuidara de tudo até o Alzheimer tomar conta logo após a perda da esposa. Desgraças a parte, riram bastante das situações tragicômicas dos seus idosos.

Dois largos bocejos, Marcello virou-se e dormiu suas quatro horas de praxe.  Acordou com a moça quase sentada no peito na tentativa de ir ao banheiro.  Tudo bem, já iam mesmo servir o café da manhã.

Perguntado Marcello falou da sua Estela e dos gêmeos que o esperavam no Rio. Foi então que Mariana, acho que era esse seu nome, se sentiu a vontade pra contar a história da sua vida.

O namorado, que fazia pós-doutorado em San Diego, era sua primeira recaída diante da raça de crápulas que são os homens.  Conheceu o ex-marido no parque infantil do Fluminense.  Depois estudaram no mesmo São Vicente de Paulo. Jovens profissionais, chegaram ao Instituto Nacional de Pesquisas Industriais, o INPI, na Praça Mauá.  Aí começaram o namoro e casaram alguns anos depois. Com muito bom humor, a carioca seguiu contando sua história para um agora interessadíssimo Marcello.

Três filhas em idade escolar depois, ela começou a desconfiar de alguma coisa.  Jogar um pequeno verde foi o suficiente pra colega de trabalho contar o que só ela no INPI parecia não saber. O sacana do marido não só teve duas “namoradas” depois de casado como uma filha com uma delas.  Pior, as duas trabalhavam no mesmo departamento de patentes que ela e a filha da outra frequentava as festinhas de aniversário em sua casa desde sempre.

Marcello não podia acreditar; meu Deus, esse cara é bom!, pensou.

Quem? Eu?

Certa noite, crianças dormindo,  chamou o marido na chincha.
Ele negou… era tudo mentira, queriam derrubá-lo da gerência, que podia explicar, que isso, que aquilo. Mas tava difícil, ela sabia até dos detalhes.    Ele insistiu que a amava, que queria seguir com a família, que isso não se repetiria…

Isso o que? …outra namorada?… ou seria outra filha?, se perguntava Marcello.

Finalmente o safado concordou em sair de casa.  Ela foi generosa e deu um mês pra ele arranjar um lugar. Passaram dois e o cara fingindo que as coisas estavam voltando ao normal. Ela deu um ultimato.  Ele tinha dois dias pra sumir de casa pra sempre.

O coitado, do fundo do seu sofrimento, ainda tentou argumentar:
“Mas por que é que você está fazendo isso comigo?”

 

Fotos: Flight CO-092 (Maio 2010, by Cariocadorio);  Quem, eu?  (Maio 2010, EP, by Naj Olari, Flickr Creative Commons)

Nota: baseado no post “Houston-Rio CO-092” de 30 de outubro de 2010.

Covardia

26 de maio de 2018

O covarde se esconde, dissimula, agride sem que sua vítima tenha chance de se defender.  O covarde não tem ética, não tem moral. Ele testa a sua força na fraqueza dos outros. O outro covarde, fragilizado em seu medo, não reage.

O covarde superfatura remédios, rouba merendas escolares, embolsa fundos para vítimas de catástrofe, assalta na fila de desempregados ou mete uma bala na velhinha que demorou a entregar a bolsa.

A covardia é uma das facetas da falência da nossa sociedade.

Diariamente, duas vezes ao dia, o telefone toca.Na outra ponta tem uma empresa covarde.  Você se levanta e atende a uma gravação que se identifica como o “Eduardo da Vivo” ou o “Fernando da Oi”.  “Tenho uma ótima oferta pra você”.  Dane-se se você está estudando, vendo televisão, com dor de cabeça, esperando o telefonema do médico ou do seu amor depois da DR.

Atribuído a Maomé

A covardia está nos termos do i-cloud. “Agora não” ou “não aceito” não é a resposta certa. Você tem que aceitar, senão ele fica pipocando na sua tela e torna inútil o telefone até que você se renda.

O Trivago não é covarde, é só chato pra cacete. Você vai trocando de canal até que ele não apareça por um tempo. Menos mal.

Os caminhoneiros fecham a avenida, fecham a estrada, impedem o direito de ir e vir. No processo fecham escolas, aeroportos, hospitais… De carona na covardia da vez, a eles aderem motociclistas, peruistas, taxistas, uberistas pra defender seus interesses.  O empresário covarde triplica o preço da água mineral. Logo aparece o encapuzado, esteriótipo do covarde, a vandalizar tudo.

Todos diante de um governo covarde e acovardado, preocupado em se manter a qualquer custo. O que dizer deste patético bando de políticos? Informados com antecedência nada fizeram. Tentaram o jeito populista, com o dinheiro dos outros, sem solução.  Levaram cinco dias pra reagir com a energia que a gravidade do momento exigia.

Mas os caminhoneiros, manipulados ou não, têm direito de se manifestarem!!!
Claro que sim.  Mas não há limite para estes direitos?

No Brasil de hoje, onde tudo são direitos, proliferam crimes, criminosos, igrejas e covardia.

Imagem: grupopesphb.blogspot.com.br

 

A Falta que Faz

16 de janeiro de 2018

Começa hoje o campeonato carioca. O carioca do Rio de Janeiro transcende os limites da cidade, do estado e ocupa um Brasil com centenárias rivalidades.     Em Manaus, Salvador ou Juiz de Fora, discute-se o campeonato carioca.

Que importa se os Patriotas do marido da Gisele vão ganhar de novo ou se os Cavaleiros de Cleveland vão destronar os Guerreiros do Estado Dourado?  Parece ridículo mas os nomes são esses mesmos. Isso lá são nomes de times?  Estamos de acordo que não dá pra comparar com Flamengo, Vasco da Gama, Botafogo, Fluminense … ?

Os políticos do esporte fazem tudo para estragá-lo e dar razão aos que querem o fim do estadual.  Pode um campeonato “começar” com grupos B e C, ter 6 semifinais e 3 finais?

Os que querem o fim dos estaduais não sabem a falta que faz torcer pelo que é nosso.  É torcer pelo time da sua escola, pelo time da sua rua contra o do outro bairro, pelo seu time.

E como faz falta o América, cinco vezes campeão carioca. Lá em casa eram todos América. Pequena ovelha negra, rubro-negra, lembro dos velhos e meu irmão comemorando o campeonato carioca de 1960.

Pensando bem, o que faz falta mesmo é gente, amigos, família.  São as pessoas que dão sentido ao que chamamos de nosso.  Pessoas de quem um dia sentiremos falta, pois muito pior seria não ter de quem sentir falta. Sentir saudade, uma saudável saudade.

Que comece o carioca. E que vença quem ganhar!

Foto by Cariocadorio; “América rubro-negro”, 16/01/18

Meu Amigo Justino

19 de dezembro de 2017

O que chamou sua atenção foi um princípio de bulling lá pelo terceiro ano ginasial (só aprendemos que essa velha maldade se chama bulling recentemente, graças aos americanos).   Sempre tinha alguém pra pegar no pé e ficar sacaneando em grupo.  Muito alto,  quatro-olhos ou meio tímido, qualquer diferença era motivo.

No caso do Justino não foram os óculos com lentes fundo de garrafa nem o nariz entortado pra esquerda. Tampouco por ser vascaíno, coisa rara na zona sul do fim dos anos 60.   Foi por conta do nome que o Justino teve seu tempo de “pele” daquela turma do Pedro II.  Eram muitos Eduardos e Paulos, vários Luiz Alguma Coisa mas Justino, só ele.  Mais, nas listas de todas as turmas do colégio coladas no vidro do refeitório só aparecia um Justino.  Ele.

Por que? Não tinha parentes próximos nem algum Justino famoso que justificasse.  Por alguma razão, respeito talvez, nunca perguntou aos pais. Naquele tempo tinha esse negócio de respeitar os mais velhos.  A zoação (esta aprendemos com os paulistas) passou e o Justino não tocou mais no assunto.

Na terça passada entrei no Paglia e Fieno mais tarde que o habitual.   Estava vazio, retrato da crise. No fundo do restaurante três homens de terno aguardavam o almoço. O cara junto à parede parecia familiar. Caramba, desde os tempos do vestibular, fazia mais de 40 anos.  Minto, na verdade foi depois, no pilotis da PUC. Ele cursava Direito e eu Engenharia.  Ainda assim, mais de 40 anos. Seria ele mesmo?

Fixei o olhar. O nariz meio torto pra esquerda dirimiu as dúvidas.  Me dirigi célere até a mesa. De repente um dos homens levantou-se e se interpôs com firmeza.  Estanquei assustado, percebi que o outro buscava algo no paletó e instintivamente levantei as mãos.

O que me salvou não foi o nariz torto do Justino, mas o meu próprio nariz arrebitado.   O homem junto à parede freou os outros dois com um gesto, abriu um sorriso pra mim e falou:

— Batata???

Era eu.  Era o Justino.  O do nariz meio torto e o do nariz de batata da turma do ginásio.

Sentei-me à sua frente e nos 40 minutos seguintes atualizamos os últimos 40 anos de nossas vidas.  Ele já tinha seis netos dos quatro filhos, todos meninos e eu na primeira netinha, Helena, recém-nascida.  De como fui parar em Londres e por lá fiquei tantos anos.  De como ele ficou no Rio e seguiu a carreira no ministério público. De repente me lembrei da história do nome.

Com brilho nos olhos, Justino contou que há pouco tempo, revirando as heranças do pai, encontrou o diploma do bisavô de quem nunca tinha ouvido falar.  O documento tinha mais de metro, uma fita verde e amarela perfeitamente conservada e dizeres mais ou menos assim:

FACULDADE DE DIREITO DA CIDADE DO RECIFE

Eu, Fulano de Tal, tendo presente o termo de aptidão ao Gráo de Doutor obtido pelo Sr. Justino Resende de Sá e Oliveira, natural do Rio de Janeiro, filho de José Francisco de Sá e Oliveira, nascido no dia 2 de agosto de 1861… pelos poderes que me são outorgados…

…Mando passar ao dito Senhor, esta Carta de Doutor em Ciências Jurídicas para que com ella gose de todos os direitos e prerrogativas das Leis do Império.

Por ordem de D. Pedro Segundo
Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil  
Recife, 18 de novembro de 1885.

Sabe os amigos do Justino que quase me matam de susto?

Seguranças…  Recentemente, o meu amigo Justino, aliás,
V.Ex.a, Meritíssimo Juiz Dr. Justino Ventura de Sá e Oliveira,
colocou dois conhecidos políticos cariocas pra ver o sol nascer quadrado lá em Benfica.

Muito obrigado meu amigo.  Seu nome é o que tinha mesmo que ser.

 

Foto by Cariocadorio
Nota:  Esta é uma obra de ficção.  Qualquer semelhança com personagens e fatos reais terá sido mera coincidência. 

Politicamente Incorreto

29 de outubro de 2017

Capa de Revista

Este grupo se vê uma vez por ano, pouco mais ou menos. Ontem concordamos que daqui a uns 20 ainda é possível que estejamos juntos mas em 30 anos, certamente, só no andar de cima.

No alegre convescote, regado a um pouco de álcool e a simpatia dos anfitriões, falávamos de temas atuais:

Insegurança, fora Temer, o Rock in Rio de 85, agora me aposentei, jamais me casaria com a Dilma, fechei o escritório, as dores na coluna, e seguia por aí até chegar nos transisso, transaquilo etc.

Aquela história de que era proibido e passou a ser permitido, bonito, na moda, finalmente chegou ao que os mais rodados temiam: agora é obrigatório.

É claro que cada um faz o que quiser com a própria vida, com o que sente e deseja.  Que use os avanços da ciência como lhe convier.  Pode tatuar o corpo, trocar de sexo e o que mais for necessário para se encontrar na vida.  Pode ser homem, mulher ou qualquer uma das milhares de opções entre uma coisa e outra.  Muito justa a luta para que se eliminem os preconceitos e se respeitem o direito de cada um na busca da felicidade.

Obrigatório

Há que respeitar e mesmo admirar os que, com tantos problemas que a vida nos impõe, ainda precisam enfrentar, e enfrentam, as dificuldades de nascer por fora diferente do que sente por dentro.

Mas quando se nasce, se tem pintinho é macho, se tem pepeca é fêmea.  Mais tarde vai produzir esperma ou menstruar.  Simples assim, biologicamente pode ser menino ou menina. Há que respeitar isto também.

Mas a mídia parece pensar diferente.  O que é difícil entender é qual seria o interesse que tem boa parte dela em convencer a sociedade de que o certo são vestidos para os meninos e gravatas para as meninas.   Parece que qualquer coisa diferente é uma agressão aos direitos de alguns. Seria apenas o justo interesse em defender o direito de cada um viver como queira?  Não parece e, caso seja, precisam repensar a dose.

Fato é que para aqueles que dependem da mídia para vender sua arte não dá pra ignorar esta onda.  Se quiser aparecer rápido é obrigatório, como mínimo, namorar alguém do mesmo sexo, se me permitem simplificar assim.  Seja homem ou mulher, se for macho (opa, desculpe) o suficiente para mudar de sexo, tanto melhor.

A revista Ela d’ O Globo de hoje, com capa e dez páginas desinteressadamente em torno do assunto, é apenas mais um exemplo.

Ou talvez este grupo que viveu Woodstock, queimou soutiens e sobreviveu a 21 anos de ditadura, aos Sarneys e às Dilmas da vida esteja mesmo ficando velho demais.

Fotos: fotos parciais da revista citada.

Independência ou Morte

7 de setembro de 2016
"Independência ou Morte", 1888, de Pedro Américo

“Independência ou Morte”, 1888, de Pedro Américo

O prazer mórbido que tem o brasileiro em se desmerecer parece interminável.

Após as partidas contra o Equador e a Colômbia, comentaristas da mesa redonda da ESPN pareciam procurar “uma desculpa” para as vitórias.

Na CBN um participante do “hora de expediente”, um programa de 3 minutos de duração, fez questão de citar, detalhe por detalhe, que tudo no quadro de Pedro Américo era uma mentira. Nada sobre celebrar a independência do Brasil neste Sete de Setembro.  Aliás o que mais faz o trio daquele programa é enaltecer a cultura estrangeira e ridicularizar a brasileiro.

O fato de ser o quadro uma representação livre e certamente irreal do ocorrido é irrelevante.

Todas as nações tem o seu imaginário montado em cenas não necessariamente fruto de um sério documentário jornalístico.  Há sempre uma dose de ufanismo que dá sentido de união aos seus cidadãos. Aqui não, somos sempre tentados a acreditar ou mesmo preferimos acreditar na versão que desmereça um feito nacional.  Se dissermos que Pedro I estava bêbado e fazendo cocô atrás da moita todo mundo acredita.

Não tem chance de progredir um país que se desacredita a cada momento histórico. Que valoriza cada coisa estrangeira em detrimento do que o seu povo faz.  Isso só é conveniente para os que preferem a eternização do país de coitadinhos que veementemente recuso-me a acreditar que somos.

Foto:  http://commons.wikimwdia.org

Rio de Janeiro, a Cidade do Amanhã

1 de janeiro de 2016
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A Cidade do Amanhã

Sou obrigado a reconhecer que os cariocas, nascidos ou não no Rio de Janeiro, somos uns mal-agradecidos.  Não contentes em viver numa cidade de beleza incomparável, cuidadosamente talhada entre montanhas verdes e mares azuis, ainda queremos ter segurança, escolas e hospitais que funcionem.

É verdade que não se pode passar em certas vias públicas a tantas horas do dia sob o risco de aumentar a probabilidade de assalto dos normais 48 para inaceitáveis 92,5%.  Também é verdade que às vezes algum incauto fica doente sem que haja UPA que o atenda, ou que uma grávida inescrupulosa decida dar à luz na hora da troca de turno.  Particularmente quando o governo não pagou ninguém e o hospital não tem médico em turno algum pra fazer a troca.

Mas não se pode querer tanto quando se tem a Quinta da Boa Vista, o Pão de Açúcar, a Floresta da Tijuca, as praias do Leme ao Pontal, a Lagoa Rodrigo de Freitas, o Jardim Botânico, a nova Praça Mauá, e vou parar por aqui se não acabo esquecendo do Cristo Redentor, com seus braços abertos sobre a Guanabara.

Há que escolher entre uma cidade maravilhosa e um governo que preste.  O fato é que, antes mesmo de 1° de março de 1565, o carioca já havia feito a sua opção pelo belo.  Mais do que isso é descabida ambição.

Foto by Cariocadorio: Cidade do Amanhã, dezembro de 2015

Nota: baseado em crônica de Machado de Assis (15/09/1876)

Os três Volumes de Machado de Assis

27 de dezembro de 2015
Obras Completas

Machado de Assis, Obra Completa em 3 volumes

A nova casa é, digamos, “vintage” e guarda interessantes surpresas. Mobília, plantas, objetos de decoração, livros… tudo impregnado de memórias.  A coleção de três pequenos volumes “Machado de Assis, Obra Completa” me chamou a atenção desde o início. Minhas poucas incursões pela literatura, coisa que tardiamente lamento, me ensinaram Machado de Assis. Inesquecível o impacto de “O Alienista”.

Entre o conserto de um chuveiro, o sonho de uma obra na casa, um olhar perdido em uma planta do jardim, abri uma Hofbräu, presente do João (ou do Luiz?), e me dediquei a examinar a coleção.  Estão quase em perfeito estado as mais de mil páginas de cada um dos bem encadernados livrinhos. Li um pouco das crônicas no terceiro volume, um prazer mais que previsível.  De volta ao volume I, outra surpresa:  a nota fiscal datada 3/3/78. Com desconto ficou em Cr$ 1.600.00; não era pouco mil e seiscentos cruzeiros em 1978.

Levarei muito tempo para ler pequena parte desta relíquia.

Começo a perceber os mil tons de verde da densa vegetação lá fora. Uma ruidosa maritaca faz as vezes de galo da madrugada, talvez a mesma que cuspiu no meu ombro ontem a tarde.

Foto by Cariocadorio; “Os três volumes”

PS; antes que eu me esqueça… “vintage” é o cacete.