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Montevidéu, uma viagem no tempo

25 de novembro de 2014
A Uruguay 019

Arquitetura no centro

Montevidéu é uma cidade de outro tempo, onde parou de passar o tempo.

Parece haver tempo para tudo,  porque lá não se perde tempo.

Sair, chegar, estacionar, sem problema de lugar a qualquer tempo.

 

El Puerto

Parrilla

Umbu uruguaio; a erva.

Umbu uruguaio; a erva.

Pressa…Por que a pressa…? Não se preocupe…Dá tempo.

Mesmo que às vezes nos pregue uma peça o tempo … Fica feio, chove forte.

 

Del Rei; de outro tempo

Del Rey; de outro tempo

Comparada ao Rio, impensável tranquilidade. Digo o de Janeiro, não o de la Plata, a praia de lá…
A qualquer hora a água fervendo na térmica, a bombilha, a erva, o mate…

Dá vontade de voltar logo, sem esperar muito tempo.
Para ver uma vida, umas coisas, que há muito pareciam perdidas no tempo.

Montevidéu - panorâmica

Montevidéu – panorâmica

Fotos by Cariocadorio: Montevidéu





A quarta pessoa

27 de maio de 2013
Família

Família

Ainda não havia chegado, a quarta pessoa.  

Começando pela vida, aos três ela deve tudo, a tal quarta pessoa.  Os primeiros passos, as primeiras letras, as primeiras brigas e desentendimentos, essenciais para forjar valores.  Desde os tímidos voos solo às aventuras mais distantes, sempre a certeza de um norte, mesmo no desconforto das intempéries. 

Com os ciclos da vida surgem novos personagens. O tempo cuida para que todos estejam na foto, papéis renovados, até que não sejam mais parte dela. Ou melhor, surgem novos, é verdade, mas o tempo não subtrai os de antes, são eternos os personagens.  

Saudosos agradecimentos,
A quarta pessoa

Foto:  “A família”, São Paulo, outubro de 1951; acervo Cariocadorio, proibida a reprodução.

Geraldo Gargalhada

26 de agosto de 2012

Geraldo Gargalhada, Geraldo Colombo… Meu grande amigo Geraldo.

Naquele dia em que nos encontramos em uma exposição de carros de corrida no Estádio de Remo e depois caminhamos até o pequeno parquinho em frente à hípica na Lagoa, a minha vida começou a mudar. O mundo começava a tornar-se maior que a família, a escola, o edifício e o clube.  Havia uma intensa alegria nos seus olhos quando brincávamos inocentemente no auto-pista, o carrinho de bater.  Não sei como se estabelece a passagem da infância para a adolescência nem mesmo se é desta passagem que eu estou falando.  Mas foi definitivamente, uma passagem.

A paixão pelo automobilismo era coisa rara naqueles tempos em que o Chico Landi já não fazia sucesso e um desconhecido Emerson Fittipaldi ainda dava suas primeiras entortadas nas precaríssimas pistas brasileiras.  Essa paixão catalisou nossa amizade por anos a fio. Juntos freqüentamos o clube, a praia, as festas, passamos tantos carnavais em Cabo Frio, fizemos vestibular e jogamos fora incontáveis longas conversas pelas esquinas de Laranjeiras.  Mas mais do que tudo respirávamos automobilismo. 

Na minha casa, Natal de 1974

Geraldo virou família.  Assistíamos aos GPs lá em casa, o meu pai junto. Papai abria uma cerveja que bebíamos acompanhada de sardinha na rodela de pão francês.  O Geraldo passou a chamar o Velho de pick-up quando soube que um dia seu apelido fora João Vitrola.  De vitrola para pick-up foi um passo.  O apelido que só ele usava era sua forma de mostrar que a pessoa era especial para ele. Em algum momento eu mesmo virei Jotacê.  Geraldo tinha também um caminho diferente de todo mundo para cada destino. Literal e literariamente falando.

Viramos ratos de autódromo no Rio e em Interlagos. Fomos ajudantes de mecânico, torcedores de arquibancada, comissários de box na Fórmula 1, bandeirinha de pista  tudo mais.  Graças ao Geraldo conheci de perto os ídolos nacionais da época.  Sentávamos para almoçar com eles após as corridas na Barra, ouvíamos histórias de automobilismo e até contávamos as nossas.  Seu carisma e sua inconfundível gargalhada abriam todas as portas.  E eu ia junto.  Éramos felizes e sabíamos muito bem disso.

 A vida de engenheiro não foi fácil a partir da década perdida de 80.  Geraldo buscou a sorte em São Paulo e por lá ficou. Era janeiro de 1990 quando tocou muito cedo o telefone lá em casa.  Acordamos meio assustados naquele frio danado que fazia em Madrid.  Era o Geraldo, para que eu não me esquecesse do meu aniversário de casamento, como fazia ano após ano.   

A distância e o tempo têm o implacável efeito que os mais rodados já aprenderam.  As notícias ficaram escassas até sumirem de vez.  Mas há uns cinco anos decidi procurá-lo.  Quando nos falamos parecia que tudo havia sido ontem.  Seguimos trocando emails, fotos e finalmente nos encontramos e jantamos com as respectivas em uma noite memorável.  Resumimos os últimos quinze anos naquelas poucas horas. Este blog, com as coisas do automobilismo, ajudou a manter o contato à distância. 

 Não me dei muita conta quando ele deixou de responder a um email. Este mês no dia do meu aniversário, vim a saber por caminhos que só o Geraldo poderia traçar, por que ele não havia respondido. Há pouco mais de um ano e meio, em algum ponto da estrada entre o Rio e São Paulo, os improváveis caminhos do meu amigo o levaram inexoravelmente para longe nosso convívio.    

Como disse, não sei muito bem como se estabelecem as passagens de uma fase a outra da vida. Sinto apenas que eu estou vivendo mais uma e, mais uma vez, o meu querido Geraldo está novamente presente.

A corredora da Lagoa

1 de abril de 2012

Caminhar na Lagoa é o seu maior prazer. Aprecia os cachorros levando seus humanos ao passeio diário, a corrida saudável do pessoal, as conversas inacabadas que por ele passam, o vermelho no bico dos patinhos negros, o vôo elegante das graças brancas e tudo mais.  

Há, porém, alguém especial nas suas caminhadas. 
Onde vai ela sempre assim com tanta pressa? Pouco lhe importa. 
O que vale é senti-la chegando e concentrar-se no deleite que se segue.  A pisada firme no cintilante tênis, a meia mal surgindo antes de descortinar as pernas que sobem graciosamente até se esconderem sob o shortinho de tecido leve.  Ah, o shortinho! Ao sabor do vento e das passadas largas, o generoso corte lateral desvenda a dobrinha do bumbum.   

Com os cabelos soltos sobre a blusinha colorida ela se afasta rapidamente em seu vertiginoso correr. Não há sexismo em sua visão da moça. Bem… Um pouco talvez.  Sergio ama cada pedra , cada improvável capivara, cada detalhe do entorno da Lagoa.  A corredora é o licor cassis no seu creme de papaia. 

Mas neste dia nem mesmo a musa aliviava sua angústia.  
Sérgio subiu as escadarias e entrou na igreja de Santa Margarida Maria. Custava-lhe muito concentrar-se em rezar, o pensamento em todos os lugares entre o “que estás no céu” e o “pão nosso de cada dia”.  Sozinho na igreja soluçou um choro infinito. Saiu com os olhos vermelhos e uma certeza no peito.    

Horas mais trade ele se despedia do Dr. Ubiratan Latorre.  Pela janelinha da porta do elevador viu seu pai agradecer a visita. Mãos justapostas no gestual de sempre, a sinceridade de sempre.   Sérgio sabia que era ele quem mais tinha o que agradecer.  Estar com o pai era a certeza do conforto apesar do medo que sentia da barafunda mental do velho médico. 

De noite, cantando os parabéns com o netinho mais novo no colo, Sergio finalmente podia curtir os cabelos da corredora da Lagoa esvoaçando docemente à sua frente.   Sentia-se plenamente feliz.

Fotos by Cariodorio: Igreja de Santa Margarida Maria (Lagoa, Rio de janeiro, janeiro de 2012);  O Curumim da Lagoa Rodrigo de Freitas (Rio de Janeiro, janeiro de 2012)
O Dr. Ubiratan Latorre aparece em:  “A porta do elevador”  e “A quarta idade”.

A quarta idade

30 de outubro de 2011

Alegria na terceira idade

Laurinha e os irmãos discutiam sobre a terceira idade. Uma conversa divertida em meio à comemoração dos 65 anos do Sérgio, o mais velho dos quatro. Falavam sobre vantagens como furar filas nos bancos e não pagar passagem nos ônibus e dos problemas típicos da velhice. Em resposta às gozações de praxe, Sérgio afirmava que, apesar das dificuldades pra fazer xixi, estava com tudo em cima quando chegava a hora.

A certa altura o Dr. Ubiratan Latorre deixou o seu aparente isolamento de olhar fixo na televisão desligada para se juntar aos filhos. Contou que recentemente teve uma conversa sobre a terceira idade com o seu grande amigo João.

“O que mais me admira no João é a alegria de viver. Não importa a situação, ele encontra sempre uma razão para ser feliz.  O João diz que a terceira idade é a melhor fase da sua vida, aliás como diz de todas as anteriores. Mas desta vez eu achei que o João está com um problema sério.  Reclamou da dificuldade de lembrar umas coisas e me disse na saída: “

“É Bira, acho que eu já estou entrando na quarta idade. E esta quarta idade não promete ser tão boa como as três primeiras”.  

Pela enésima vez os irmãos escutaram seu velho pai contar esta história. 

Enquanto isso, o João já está tão à vontade lá no andar de cima que foi ele quem abriu a porta e deu as boas vindas ao Luís Mendes, grande amigo dele e do Bira.

Foto by Cariocadorio: “alegria na terceira idade” (Fev. de 2007)
O Dr. Ubiratan Latorre aparece também no artigo “A porta do elevador” (clique aqui) :  

A perseverança da memória

14 de maio de 2011

Encontrei D. Cecília muito agitada naquela tarde.  Insistia em andar pela casa embora nem mesmo forças para se levantar sozinha tivesse. Mal se lhe ouviam as nervosas instruções, a voz prejudicada pelo Parkinson. Apontava a porta da rua, queria sair.

De repente balbuciou palavras em francês. Há muito tempo não a ouvíamos falando francês. O que seria aquilo agora?  A enfermeira procurou acalmá-la. Cecília insistia, repetindo palavras sem sentido.
 

Aproximei-me bastante e finalmente entendi.  
“Suzanne…premier étage…”

Queria apenas visitar sua amiga de tanto tempo, Suzanne Bergé.  Ela morava no mesmo prédio, no primeiro andar.  Expliquei que Mme. Bergé estava em Londres mas que  telefonaria assim que chegasse. Acalmou-se sob o efeito da mentira sincera ou talvez do Rivotril que o Dr. Gilberto receita para estas situações. 

Sentou-se tranquila. Nas mãos os presentes do dia das mães.  Estava mais interessada em fazer e desfazer as embalagens do que nas colônias, sabonetes e lencinhos.  

O pensamento ia longe agora. Certamente nas tardes de cinema, ateliês e museus com as amigas.  Ou nas longas noites regadas a cigarros e vinhos no Le Jardin. Cecília e o marido participavam de intermináveis discussões sobre o ser ou não ser, sobre artes e política, seu assunto predileto. 

“Le communisme est le future de l’humanité, donc il vaut mieux que vous vous habituez”, provocava Cecília. Décadas depois ela não se absteve de admitir sua decepção quando aquela experiência que tanto admirava começou a fracassar.

A vida meio boêmia, meio deslumbrada do casal acabou quando Cecília passou a ter direito a ganhar presentes no segundo domingo de maio. 

Agora ela já não brincava com os presentes.  Dormia, cabeça de lado no espaldar da poltrona, um quase imperceptível sorriso nos lábios.  Poderia apostar que em sonhos ainda estava na sua Paris do início dos anos 60, a época mais divertida da sua vida.

Nem mesmo as grandes amizades são imunes à distância e ao tempo. Suzanne Bergé foi a amiga inseparável, ainda que achasse uma grande besteira aquele negócio de comunismo.

Quando Suzanne se foi, pouco antes da virada do século, há muito as amigas já não se viam.

Imagens, na ordem:
“The helmetmaker’s once beautiful wife” de Auguste Rodin, foto by cariocadorio em 1985. (Veja mais sobre esta escultura aqui).
“The persistence of memory”, Salvador Dali, foto obtida na internet.
“Jeunes Filles au Piano”, Piere-Auguste Renoir, foto by Cariocadorio em 1985.

Voe Gol-contra

25 de dezembro de 2010

O sindicato dos aeroviários ameaça paralisar o tráfego aéreo no Brasil em meio às festas de fim de ano. Não dá para simpatizar com a causa de um sindicato que faz isso e fecha a avenida de acesso ao Galeão, entre outras agressões ao direito de ir e vir do cidadão.

Mas se tirarmos por base a maneira como as companhias aéreas tratam os passageiros, seus clientes, podemos imaginar o que fazem com seus empregados.  Deve ser um inferno trabalhar em empresas que não têm a mínima consideração com seres humanos.   

Alguns casos:

1. O vôo está atrasado umas 2 horas mas você, passageiro irresponsável, chegou um minuto depois do horário requerido. Você tem que pagar a multa por chegar atrasado e espera 3 horas para embarcar. Pra eles não pega nada.

2.  O casal conseguiu tirar férias ao mesmo tempo depois de vários anos.  Programaram encontrar com o filho, a nora e o neto – que moram nos EUA – em um resort na República Domenicana.   Uma semaninha só mas a viagem dos sonhos. Pouco antes da viagem a companhia aérea avisa:
   “Seu vôo de sábado foi cancelado, agora vocês viajam na terça-feira seguinte.”
   ” Peraí, não posso adiar minhas férias.” 
   “Sorry, perdeu”
Depois de muita briga eles aceitaram devolver a passagem.  As férias, planejadas com muita antecedência, foram perdidas.  Danem-se os passageiros.

3.  A polícia do Rio invade a Vila Cruzeiro e sitia o Alemão.  Você está em Sampa com vôo marcado às 19:00 horas.  No Rio a família telefona e diz pra ter cuidado e você lá preocupado com a família. Tudo bem, no Santos Dumont não chega o tiroteio.  Só que choveu de tarde em São Paulo e os vôos estão atrasados. 

As informações são as mais desencontradas.  De repente o seu vôo some do painel do portão de embarque.   Os atendentes somem também.  Um bando de passageiros perdidos não sabe o que fazer.  Ninguém da companhia aérea explica o que está acontecendo ou vai acontecer.  Nenhuma informação pelo alto-falante.

Não, isso não é por acaso.  A companhia aérea usa essa tática de desesperar para dispersar os passageiros. Dispersos eles são mais fáceis de enganar.  Há horas a  aérea já sabe que não vai dar para o vôo sair de Congonhas. De repente avisam pra quem está perto.  Com a boca, nada de informar pelo alto-falante.
   “Vamos levar vocês pra Guarulhos.  De lá sai o vôo”. 

A atendente sai andando e quem quiser que vá atrás.
Os covardes só não avisaram que o vôo sai de Guarulhos para o Galeão e não para o Santos Dumont.  Os empregados são claramente instruídos para não informarem que você tem direito a jantar, hotel e vôo no dia seguinte.   Os que moravam em São Paulo decidiram ficar por lá e o pessoal do Rio seguiu para o ônibus.  Para a companhia aérea o inimigo já estava enfraquecendo, cada passageiro escolhendo sua alternativa, vencidos no cansaço.  A tática da desinformação continuava.  Escutei no rádio da atendente que no Rio não haveria transporte do Galeão porque não circulavam táxis e a empresa de ônibus se recusou a sair naquela hora.  O Rio estava em pé de guerra.   Mas em momento algum os atendentes informaram isso aos passageiros.  Boa parte entrou nos ônibus em meio ao caos em frente ao aeroporto.  Para a companhia aérea era melhor despachar covardemente os inimigos e deixá-los mofando até a manhã do dia seguinte no Galeão do que gastar com hotéis em São Paulo.

Decidi tentar a sorte de remarcar o vôo para o dia seguinte. Já passava de meia-noite quando, um grupo de seis pessoas, tomamos uma cerveja no bar do hotel para relaxar e ir dormir.  Os  que sobraram e tentaram ficar por lá contaram com a boa vontade dos atendentes do balcão e foram lentamente sendo colocados em hotéis, o que não foi fácil. 

A Infraero é uma vergonha e a ANAC uma piada. As companhias aéreas fazem o que querem. Duas delas  dominam o mercado sob pífia fiscalização da ANAC.  Os vôos são otimizados a ponto de um problema no aeroporto de Oriximiná causar atraso em vôos de Porto Alegre. E a desculpa é aceita.  Imagina o que as aéreas fazem com as escalas da tripulação e dos atendentes … imagina o que fazem com a manutenção dos aviões para maximizar o lucro.

Quem trabalha nestas empresas  é treinado para enganar, para não respeitar. Ética não é palavra no dicionário dessa gente.  Neste ambiente onde imperam a traição, a esperteza e a covardia, quem teria pudor em fazer uma greve em pleno fim de ano e acabar com a festa de milhares de pessoas?  Eles são vítimas maiores que nós, passageiros. Convivem todos os dias com as companhias aéreas e certamente são explorados e enganados também.

Tenho uma sugestão:  José Mariano Beltrame na ANAC.

 Foto by Cariocadorio: Voe Gol-contra (dezembro de 2010)

São Lourenço em 3 tempos

16 de agosto de 2010

Hotel Guanabara, 2010

Busquei na internet o Hotel Guanabara de São Lourenço.  Encontrei-o muito diferente do que ficara na minha memória.  Não, eu não queria aquele hotel moderno e sim o da minha infância. Prefiri ir para outro lugar e, uma vez em São Lourenço, buscar o que dele restou.  Para minha surpresa o Guanabara moderno era um novo prédio mas o antigo permanecia quase como antes.  
Ao registrar imagens parecidas  com o passado constatei o inevitável. Mudava o preto e branco da foto, a modernidade do carro ainda que com as mesmas quatro rodas, pneus  e o volante para dirigí-lo.  O prédio e os paralelepípedos do calçamento eram quase os mesmos.

Hotel Guanabara 1964

O contraste está nas transformações e nas perspectivas do tempo.  Do  eterno futuro  à certeza de tê-lo muito mais no passado.  Resta o previlégio de ter viajado com ele  e de seguir por seu caminho enquanto nos couber fazê-lo.  

Do Guanabara fui ver o Granada que de memória só tinha as fotos das gerações passadas.

Hotel Granada, 1948

Hotel Granada, 2010

Alguns insistem em mostrar-se  sempre da mesma forma.  Adaptando-se ao inevitável processo que lhes impõe o  tempo, mantêm sua postura de sempre.  De que cor seria o verde do Hotel Granada de 1948?

Fotos: Hotel Guanabara, 2010 e Hotel Granada, 2010 (by Cariocadorio);  Hotel Guanabara, 1964 e Hotel Granada, 1948 (Acervo Cariocadorio, favor não reproduzir sem autorização prévia). 

A porta do elevador

23 de abril de 2010

Há mais de quinze anos o Dr. Ubiratan Latorre  repete o mesmo ritual: acompanhar os filhos até a saída e, com um sorriso no rosto, acenar até que desapareçam na janelinha da porta do elevador.

Neste dia ele se levantou cautelosamente da sua poltrona favorita assim que sua filha mais nova despediu-se beijando-lhe a testa. Sob o olhar atento da cuidadora  dirigiu-se lentamente para a saída.
De repente a rotina da sua vida passou-lhe pela mente.

Lembrou-se da sua eterna alegria de viver, do cantarolar matinal antes de ir para o trabalho com a barba bem feita. Do cuidado com os números e com a pessoas, das manhãs de golfe com os amigos de tanto tempo e das tardes de hipódromo em um passado distante. De como cuidou da casa e da esposa até que ela se fosse para sempre. Lembrou-se dos filhos, de todos e cada um de seus netos e do pequeno Daniel que acabara de nascer, seu primeiro bisneto. Do seu fisioterapeuta, da cuidadora, tão paciente e gentil, e do sem número de pílulas e comprimidos diários.

Lembrou-se até da incerteza do seu esquecer. Da leitura diária dos jornais, das notícias lidas e comentadas tantas vezes seguidas apenas para serem novidade no instante seguinte.

Segurou a porta do elevador aberta por mais um momento. Com o mesmo sorriso de sempre mas um brilho nos olhos e uma lucidez incomum nos últimos anos, fitou sua filha calmamente:  

“Por que esse filme não chega logo ao fim?”

 

Foto: A porta do Elevador (by Cariocadorio)

Dia de São Sebastião

20 de janeiro de 2010

W & W

Em um determinado momento você começa a se entender por gente. Não dá pra saber exatamente quando isso acontece, cada um tem lá o que acha ser a sua mais antiga lembrança.  Ela funciona como um divisor de águas.  Tudo que aconteceu antes disso parece ser tão antigo quanto a proclamação da república. O que veio depois tende a ser uma coisa “nova” por muito tempo.   

A gente começa a perceber que já não é mais criança quando pela primeira vez na vida alguma coisa nos parece ter acontecido há muito tempo.  Lembro que foi uma sensação estranha.  Mas isso também já tem tanto tempo que nem sei mais o que era.

O tempo é implacável e vai nos levando a viver outras primeiras vezes.  De repente vovê percebe que as coisas antigas nem eram tão antigas assim e nem foram sempre do jeito que você se lembra delas.  Você nota em uma foto antiga que, quando você nasceu, seus pais eram muito mais novos do que você é hoje.  Em outras fotos a gente vê que nossos avós também já foram jovens, esportistas, que faziam passeios e criaram seus filhos…Ou seja, todas aquelas coisas que você já fez e não acreditava que eles pudessem ter feito … pois fizeram, só que em preto e branco.  

Um outro momento marcante é quando a gente percebe que certas coisas que aconteceram depois daquela primeira memória já deixaram de ser um evento recente.  Leva um tempo pra gente se acostumar com o fato.  Demorei muito pra perceber que o moleque da foto já não era mais o meu primo mais novo.  Melhor dizendo, ele obviamente ainda  é mais novo, só que com menos cabelo, tendo cultivado aquela barriguinha de cerveja e que até já nos brindou com uma nova geração para seguir adiante por todos nós.  Já não faz muita diferença esses quase 10 anos que nos separam no tempo.

No dia de São Sebastião do ano de 1965, nascia o meu querido primo que aparece na foto cuidado pela sua sempre zelosa e curujésima mãe e minha igualmente querida Tia.

E eu vou ficando por aqui, aguardando que nova sensação de primeira vez na vida o tempo terá reservado pra mim.

Foto:  “W & W” (1966).  Acervo pessoal Cariocadorio.  Proibida a reprodução sem autorização prévia.