Viver no Rio de Janeiro é contar com o beneplácito de uma natureza bela e generosa. Não fosse o homem, aqui não haveria tempo ruim nem grandes desastres.
A complacência da natureza transferiu-se, por leitura equivocada, ao próprio carioca, que não soube administrar os limites desta dádiva. Independente da classe econômica ou social, somos causa e conseqüência da falta de rigor ético que nos tem feito aceitar placidamente tanto desgoverno. Em todos os níveis cometem-se atos de corrupção, assinam-se gatonetes, traficam-se e consomem-se drogas e constroem-se puxadinhos. O crime está estabelecido desde as favelas às coberturas da Vieira Souto passando pela classe média carioca.
É histórica a tolerância que o brasileiro e o carioca em especial têm para “pequenos delitos” e “erros menores”. Esta tradição de esperteza, jeitinho e malandragem está mais para conivência, falta de respeito e falta de ética. Esta é a origem da tragédia que tem sido o cotidiano da cidade nestas últimas décadas.
De repente a elite carioca já não consegue mais se defender com câmeras, grades e blindados. Os mais humildes não suportam mais viver sob o domínio do poder paralelo. E assim a natureza cobra um alto preço daqueles que, parte inseparável e dependente da mesma, não souberam desfrutar sem abusar de tanta generosidade. Já passamos da hora de mudar o rumo da história.
Tolice seria acreditar que esta guerra será ganha com armas ou uma possível vitória na “Batalha do Alemão”. Isto é apenas um inevitável começo. O combate incansável aos bandidos de hoje que não respeitam os direitos humanos dos cidadãos de bem e as instituições estabelecidas é essencial. Mas há também que, ao mesmo tempo, cuidar para que não se formem novas gerações de bandidos que diariamente alimentam o exército do crime.
Esta é uma tarefa de longo prazo que vai exigir perseverança nas ações pela educação, saúde e emprego para cidadãos cariocas. Para que todos tenham direito à verdadeira cidadania, sem privilégios nem paternalismos que só acentuam diferenças históricas. Caberá à população orientar nossos líderes, de forma inequívoca, para que conduzam a sociedade neste sentido.
O Rio de Janeiro tem o direito de voltar a ser a Cidade Maravilhosa. Isto é um dever de todos e cada um de nós.

Foto by Cariocadorio: Lagoa Rodrigo de Freitas (Out. 2009).